MOVIMENTO PANTERA NEGRA
O poder chegou a conclusões diferentes: o chefe do Federal Bureau of Investigation (FBI), Edgar J. Hoover, classificou o movimento como o inimigo público número um nos anos 60. O BPP passou então a sofrer uma repressão sem precedentes, e mais de duas dezenas de militantes foram mortos. Dizimado, dividido entre a busca da ação violenta – que acabava por ser um suicídio – e a procura por uma certa eficácia política, ele se cindiu em dois. Eldridge Cleaver, uma das figuras centrais do partido, fugiu para a Argélia. Newton e Bobby Seale se dirigiram para Oakland, onde tentaram integrar-se à vida política local e conquistar a prefeitura em 1972.
Seale, o furioso do processo dos “sete de Chicago”1− que o juiz tinha mandado amordaçar e amarrar em plena audiência para que ficassem quietos −, tornou-se um homem que se vestia com apuro e conversava incansavelmente com os transeuntes nas ruas, fossem eles negros ou brancos. Não falava mais em abater os porcos (os policiais), e em vez disso dissertava sobre questões relativas a emprego, condições de alojamento ou limpeza das calçadas.
No lançamento de sua campanha, em 10 de dezembro de 1972, no meio da multidão que assistia a seu primeiro discurso, estava David DuBois, filho do sociólogo e escritor negro William E. B. DuBois, fundador em 1909 da Associação Nacional para o Progresso dos Negros e defensor de propostas radicais: de acordo com ele, os negros só poderiam se libertar depois de uma revolução de caráter socialista, e deveriam embasar sua luta num controle – talvez limitado, mas real – das instituições locais. Os Panteras Negras pareciam assim unir-se a uma corrente tradicional do movimento negro, enquanto se adaptavam ao contexto dos anos 70, quando a era dos líderes carismáticos dava lugar à dos organizadores pacientes.
A longa marcha
Mastodo o interesse da tentativa do BPP advinha do fato de que ninguém em sã consciência poderia acreditar que Seale ou Newton haviam se convertido em reformistas no sentido estrito da palavra. O partido sempre se destacara dos outros grupos políticos negros pela disciplina e determinação. Quando seus líderes se atiraram com tanta vontade a cortejar as urnas, um jogo que seus adversários conheciam bem melhor do que eles, as pessoas foram levadas a enxergar nisso uma “longa marcha” em vez de uma solução fácil.
A organização da campanha eleitoral do BPP revelava também um processo simples, destinado a preparar uma tomada de consciência que soaria como revolucionária nos Estados Unidos. Num primeiro momento, o partido organizou um certo número de serviços para a população: distribuição gratuita de roupas e alimentos (em 1969, os Panteras já distribuíam café da manhã para crianças negras em idade escolar), assistência jurídica, clínica médica, serviços gratuitos de encanador e de extermínio de animais nocivos, Liberation School (educação política de crianças, pelo ensino da história dos afro-americanos), Intercommunal Youth Institute (chamariz para um programa de alfabetização de adultos) e transporte gratuito até as prisões para os pais dos detentos.
Doisprogramas merecem atenção especial: o Safe (Seniors Against a Fearful Environment), destinado a proteger os idosos, frequentemente assaltados na rua nos dias em que iam ao banco para descontar seu cheque da pensão ou da assistência social. Em relação a esse tema, o estabelecimento de um serviço de proteção e transporte, proporcionado por jovens com frequência desempregados, constituía uma propaganda excelente para o partido, mas uma antipublicidade para a polícia de Oakland.
A evolução do programa de alimentação para crianças também foi significativa. Nos primeiros tempos, os jovens recebiam diretamente as doações, quase sempre na escola. Depois os cafés da manhã eram distribuídos para as famílias, de modo a permitir uma ação de politização em um momento de grande disponibilidade. O número de pessoas afetadas viu-se consideravelmente aumentado.
Essesprogramas tinham três objetivos: formar a infraestrutura de um partido popular, estar presente entre a população e, finalmente, convencê-la de que a distribuição de alimentos não era suficiente; era preciso dar emprego às pessoas. Era preciso passar da “sobrevivência” para o “controle comunitário”, explicavam os Panteras.
Assim, na luta pelo poder político municipal, o BPP concentrou sua plataforma eleitoral na questão do emprego: se os negros conseguissem ganhar a prefeitura de Oakland, milhares de empregos poderiam ser oferecidos para os afro-americanos nos serviços municipais. Para isso bastaria exigir que a nova equipe municipal decidisse, por exemplo, contratar apenas cidadãos de Oakland. Um prefeito negro também poderia obrigar os empresários do setor imobiliário a contratar uma determinada cota de negros, de acordo com seu número na população da cidade.
Essas medidas deveriam ser acompanhadas de um programa de renovação urbana, dirigido não para a construção de um grande centro empresarial no coração da cidade (o projeto defendido pelo prefeito em exercício), mas para a melhora efetiva da moradia e do meio ambiente. Entre suas muitas promessas, o BPP também previa a criação de um grande centro cultural com um objetivo turístico.
Seale e Newton não tinham no entanto muitas ilusões sobre a extensão das prerrogativas deixadas para o conselho municipal de uma cidade presa na enorme concentração da baía de São Francisco. A análise do poder local os conduziu àquela do poder em geral, o terceiro tópico de sua campanha eleitoral. A ideologia do BPP – que era, sobretudo no começo, um plágio confuso de Marx, Lenin e Mao – se caracterizou rapidamente por um certo número de ideias fortemente disseminadas. O inimigo designado eram o capitalismo e o imperialismo, e não o racismo. A comunidade negra era descrita como “o terceiro mundo no coração dos Estados Unidos”.
Vítimaela própria de um neocolonialismo, devia ser solidária com as guerras de libertação nacional e popular não somente africanas, mas também asiáticas e latino-americanas, o que Newton chamou de “intercomunalismo”. O BPP publicava semanalmente no jornal The Black Panther um programa de dez pontos, muito semelhante ao que fora difundido pela primeira vez pelo partido em 1966.
E numa tentativa de ganhar os eleitores de Oakland, cidade de cerca de 500 mil habitantes, composta de 40% de negros e 12% de “chicanos”, Seale deveria seduzir a massa dos moderados, brancos ou negros. As reações da comunidade branca, ou até mesmo de seu adversário, o prefeito John Reading, que estava deixando o cargo, mostraram que ele tinha sido levado a sério. Os 19,26% dos votos ganhos pelo candidato do BPP no pleito de 18 de abril de 1973 lhe permitiram participar do segundo turno. Sem sucesso: a conquista de um cargo eletivo era um processo longo e perigoso para um partido que ainda se declarava revolucionário. Durante sua campanha, diante de uma plateia de estudantes, Seale declarou: “Nós podemos fazer de Oakland a primeira base revolucionária do país e, tomando o poder na cidade, vamos devolver o poder ao povo”. O objetivo não foi alcançado, mas a campanha municipal de 1973 permitiu fazer do BPP uma força política real.
redigido em outubro de 1966
1.Nós queremos liberdade. Queremos poder para determinar o destino de nossa comunidade negra. Acreditamos que os negros não serão livres enquanto não determinarem eles mesmos seu destino.
2.Queremos desemprego zero para nosso povo • Acreditamos que o governo federal é responsável e obrigado a dar a todos os homens e mulheres emprego e garantir alguma forma de salário. Acreditamos que se os homens de negócio, brancos e americanos, não quiserem dar emprego a todos, então os meios de produção devem ser tomados deles e colocados a disposição da comunidade para que as pessoas possam se organizar e empregar toda a gente, garantindo um nível de vida de qualidade.
3.Queremos o fim da ladroagem dos capitalistas brancos contra a comunidade negra. • Acreditamos que esse governo racista nos roubou, e agora exigimos um pagamento de sua dívida de 40 hectares e duas mulas. Esse pagamento foi prometido há 100 anos como restituição por todo o trabalho escravo e os assassinatos em massa do povo negro. Nós iremos aceitar o pagamento em moeda corrente e ele será distribuído por todas as nossas comunidades. Os alemães estão agora ajudando os judeus em Israel pelo genocídio que realizaram contra aquele povo. Os alemães mataram 6 milhões de judeus. Os americanos racistas foram parte do assassinato de mais de 50 milhões de pessoas negras; portanto, sentimos que essa é uma demanda bem modesta que estamos fazendo.
4.Queremos casas decentes para abrigar seres humanos. • Acreditamos que se os donos de terras brancos não derem casas decentes para a comunidade negra,então as terras e casas devem se tornar cooperativas para que nossa comunidade, com a ajuda do governo, possa construir suas próprias casas.
5.Queremos educação para nosso povo! Uma educação que exponha a verdadeira natureza da decadência da sociedade americana. Queremos que seja ensinado nossa verdadeira história e nosso papel na sociedade atual. • Acreditamos em um sistema educacional que irá fornecer a nosso povo o conhecimento de si mesmos. Se uma pessoa não tem conhecimento sobre si mesmo e sobre sua posição na sociedade e no mundo, então essa pessoa tem pouquíssimas chances de se relacionar com qualquer coisa que seja.
6.Queremos que todos os homens negros sejam liberados dos serviços militares. • Acreditamos que o povo negro não pode ser forçado a lutar no serviço militar para defender um governo racista que não nos protege. Nós não vamos lutar nem matar outras pessoas de cor no mundo que, como o povo negro, estão sendo vitimizados pelo governo americano branco e racista. Nós iremos nos proteger da violência e da força dessa polícia e exército racista, por qualquer maneira que seja necessária.
7.Queremos um fim imediato à BRUTALIDADE POLICIAL e aos ASSASSINATOS contra o povo negro. • Acreditamos que podemos acabar com a brutalidade policial em nossa comunidade negra ao nos organizarmos em grupos negros de auto-defesa dedicados a defenderem as comunidades negras da opressão e brutalidade da polícia racista. A segunda emenda da constituição dos Estados Unidos nos dá o direito de portar armas. Portanto, nós acreditamos que todo o povo negro deve se armar para sua defesa pessoal.
8.Queremos liberdade de todos os presos, em qualquer que seja a instância, federal, estadual, municipal. • Acreditamos que todo o povo negro deve ser solto das várias prisões e cadeias que se encontram por não terem recebido um julgamento justo e imparcial.
9.Queremos que todas as pessoas negras que forem a julgamento sejam julgadas por seus pares ou por pessoas de sua própria comunidade negra, como definido pela Constituição dos Estados Unidos. • Acreditamos que as cortes devem seguir a constituição dos Estados Unidos para que o povo negro receba julgamentos justos. A emenda de número 14 da Constituição dá o direito de uma pessoa ser julgada por algum par seu. Seu par é uma pessoa de situação econômica, social, religiosa, geográfica, ambiental, histórica e racial similar. Para isso ser cumprido, a corte será forçada a ir atrás de alguém da comunidade da pessoa negra que está sendo julgada. Nós fomos, e estamos sendo, julgados por juízes brancos que não tem conhecimento nenhum de quem é uma pessoa negra de uma comunidade.
10.Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. • Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que as leis da natureza e de Deus lhes conferiu o direito, o respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação.
Nós acreditamos que essas verdades são auto-evidentes: que todos os homens são criados de maneira igual; que eles foram dotados por seu Criador com certos direitos inalienáveis; que dentre eles estão a vida, a liberdade, e a busca por felicidade. Que, para proteger esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seu poder justo pelo consentimento dos governados; que, quando qualquer governo acaba por destruir esses fins, é o direito do povo alterar ou abolir o governo, e instituir um novo, baseando-o em tais princípios, e organizando os poderes em tais formas, como lhe pareça mais conveniente para sua felicidade e segurança. Prudência, de fato, vai ditar que os governos instituídos há muito tempo não deveriam ser alterados por motivos leves e transitórios; e, consequentemente, toda experiência tem mostrado que os homens estão mais dispostos a sofrer, enquanto os males são suportáveis, do que a se desagravar, abolindo as formas aos quais estão acostumados. Mas, quando uma longa série de abusos e usurpações, perseguindo invariavelmente o mesmo objeto, indica o desígnio de reduzi-los ao despotismo absoluto, é seu direito, é seu dever, de abolir tais governos e instituir novos Guardiões para sua segurança futura.
Protesto nas Olimpíadas de 1968
Na Olimpíada da Cidade do México, Tommie Smith e John Carlos, dois atletas medalhistas dos EUA, fizeram a saudação "black power", braço estendido com o punho enluvado e fechado, durante a cerimônia de premiação da modalidade. O Comitê Olímpico Internacional (COI) baniu-os dos jogos.
O punho erguido ("Raised Fist") foi usado como símbolo de propaganda do Black Panther Party.
Reinaldo, Eusébio e Sócrates (futebolista), todos ex-jogadores de futebol comemoravam seus gols com o braço erguido e punho fechado assim como os Panteras.
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